Alguns aspectos da pré-história da Língua. 1ª Parte.





Por José Manuel Barbosa


Introdução

      O Reino de Portugal, e hoje a República Portuguesa, foi e é um Estado subversivo dentro da península Ibérica como tal Estado existente. Foi e é o único território fora do projeto nacional e político castelhano. Mas ainda isso ser assim, a narração dos fatos históricos e linguísticos estão peneirados por uma visão que em poucas cousas se ajusta à realidade passada.
      A historiografia portuguesa, assim como a linguística obviam muitas vezes que Portugal teve uma base originária no velho Gallaeciense Regnum criado pelos suevos na Gallaecia em 410-411, e foi lá onde surgira a língua que hoje é conhecida internacionalmente com o nome de “português”, de base fundamentalmente latina mas também com um sustentamento substrático Galaico-Lusitano proto-céltico que lhe dá uma identidade acrescentada.


        A maior parte das histórias da língua elaboradas tanto na Galiza como em Portugal, e ainda em outros países, começam na época das cantigas ou pouco antes, quando se tem conhecimento dos primeiros documentos escritos. Mas anteriormente, em épocas –vamos chamar-lhes- “pré-históricas” (anteriores aos primeiros documentos escritos galego-portugueses conservados na atualidade) também a língua que nos ocupa já existia de qualquer forma na vida diária dos seus utentes, forem estes galegos, portugueses ou de outros países peninsulares.
        O fato de a nossa língua ter sido usada em mais território peninsular do que atualmente, em ser usada antes das cantigas, em ter sido a língua do projeto unificador peninsular sob dirigência galaica e ainda a sua marcada personalidade atlântica e céltica (embora sendo língua de base latina) fazem da sua história e pré-história um reto à hora de reconstruirmos o seu percurso pelo tempo, bem pela importância que ela teve e ainda tem, bem porque nos dá conhecimento de que na península há um elemento tremendamente agressivo de signo castelhano que não se ajusta a realidade histórica sobre as origens, deturpa até onde o deixam e elimina se tiver oportunidade, com a única finalidade de ocupar todo o espaço ibérico numa Grande Castela com o falacioso nome de Espanha.
        Há dous momentos na história ou pré-história da nossa língua que são fulcrais para a conformação da nossa personalidade: É o primeiro aquele no que o latim entra e se mescla com a nossa língua pré-romana conformando o que depois há de ser o galego-português; e o segundo, o momento no que o Gallaeciense Regnum hegemónico na península prepara um projeto de futuro Estado usurpado posteriormente por Castela mas de irrefutável importância tanto do ponto de vista historiográfico como do ponto de vista linguístico.
        Neste trabalho vamos falar de tudo isto:
  • Momento 1º. O Galaico-Lusitano. Substrato do Galego-Português
Segundo os pré-historiadores, linguistas e arqueo-linguístas, a península Ibérica antes da chegada dos romanos estava conformada por várias línguas. Umas delas de origem indo-europeu, outras de origem mediterrânico.
        A parte norte-ocidental corresponder-se-ía com uma língua que os cientístas denominaram com o nome de Lusitano ou  como diz Ulrich Schmoll (1959), Galaico-Lusitano, por serem a Gallaecia romana e a Lusitânia originária (entendida como o berço do povo lusitano, não da província romana) a região na qual se falaria essa língua.
        As provas que falam da existência deste Galaico-Lusitano estão em vários achados litográficos de época imperial romana. Ajustamos a época e deduzimos isto último por estarem escritos com a ortografia latina. São estes achados os de Lamas de Moledo (Évora), Cabeço das Fraguas (A Guarda), Villalva de Villastar e Arroyo de la Luz (Cáceres) os mais conhecidos.
        O espaço que poderiam ocupar haveria que reconstruí-lo a partir, não só pela localização destas inscrições conhecidas mas também pela onomástica, a toponímia e a teonímia.
        No que diz respeito são de grande ajuda os mapas elaborados pela professora Fdez-Albalat (1990: 422-427) e as opiniões de Rosa Brañas (1995: 211-253) e Higino Martins (2008: 151, 529, 543).
Com isto, também nós quisemos elaborar um mapa desde a nossa modéstia. Eis:
         
A língua galaico-lusitana poderia ser identificada como uma língua celta ou proto-celta como nos comenta Armada Pita (1999: 260-263) mas ainda a ideia de ser a partir do conhecimento das línguas celtas donde pode ser possível a tradução dos textos conservados e/ou a compreensão dos mesmos reafirma o parentesco entre esta língua da que estamos a falar com o celta antigo.
        É por isso polo que  nos diz a professora Fdez-Albalat (1996: 39):


        “Segundo a minha opinião, estamos perante uma rama celta (possivelmente anterior à divisão entre goidels e britões, ou bem uma terceira rama) de um tipo arcaico”
        A identificação como língua celta é discutida por alguns autores argumentando que algumas palavras possuem um /p/ inicial inexistente neste grupo de línguas, tanto nas actuais como nas antigas. Mas é o professor valenciano Xaverio Ballester (1998: 65-82) quem nos diz:


        “O problema na realidade não é a presença linguisticamente incorrecta do /p/, mas a posição geograficamente incorrecta dos lusitano. Se essa mesma documentação que possuímos para o lusitano, tivesse aparecido, por exemplo, em alguma zona próxima aos Alpes, previsivelmente a linguística indo-europeia tradicional consideraria tal documentação uma testemunha da primeira rama separada da árvore céltica, dessa fase ainda com /p/ que, por ser língua indo-europeia reconstruímos como céltica”
        Atendendo ao trabalho de Robert Omnès (1998: 247-268) professor da Universidade de Brest, o galego-português tem uns importantes elementos substráticos celtas que determinariam a nossa língua como um “patois” celto-latino. Alguns desses elementos seriam os seguintes:



1-       Léxico (algumas palavras de origem céltico):  Álamo, Amieiro, Arámio, Armela, Arnela, Banastra, Banço, Baraça, Beiço, Berberecho, Berço, Bico, Bilha, Biqueira, Beco, Boedo, Borrão (Borreira), Boto, Bosta, Braga, Branda, Breja, Briga, Bringa, Brio, Brião, Brigar, Broa, Brusca, Bugalho, Bulhato, Burato e Buraco, Cabana, Calhau, Calouro, Camba, Cambo, Cambelo, Cambela, Cambadela, Comboa, Gamboa, Cambote, Comba, Caminho, Camisa, Canga, Cantiga, Carpinteiro, Carraboujo, Carro, Cagigo, Centola, Cerco e Cerquinho, Cerveja, Colmo, Colmeia, Cróio ou Coio, Cheda, Duna, Embaixador, Embelga, Estancar, Fatão, Gancho, Ganço, Gato, Gorar, Granha, Grenha, Lama, Lança, Lasca, Lata, Lapa, Lapão/Lapote/Lapada, Lastra/Alastrar, Lavego/Aviecas/Aveacas ou Aviacas, Lagem, Lage, Laja, Lagea, Légua, Lia, Lousa, Maninha, Melão, Pala, Peça, Pena, Penedo, Penelo/a, Penouco, Pucareiro, Penouto e os colectivos, Penedal, Penasquedo, Penedia, Pico, Rodavalho, Saia, Seara, Soco, Soca, Tona, Touca, Trade, Tranca, Vasalo, Vidoeiro, Virar, Viradeira, Virouteiro, Pau-Viradoiro, Viração, Virolho, Vranha…


2-       Semântica:
a) Preferência polo verbo Ser em vez de Ter em frases possessivas do tipo:



b) Uso da forma “Levantar” (“Sevel” em bretão) com o sentido de “construir”. Por exemplo em francês seria «construir une maison» ou no espanhol «construir una casa», mas em galego-português e em bretão…


3-       Fonética e Fonologia
a) O /k/ implosivo devém num yod ante /t/ explosivo como em irlandês
b) Em Gal-Port os ditongos descendentes são os mais numerosos, o que se explica pelo modelo silábico céltico.

c) Evolução dos grupos /KL/, /PL/, /FL/ iniciais: 




d) A metafonia que Rafael Lapesa (1991:44) identifica como celta:

                            

4-       Morfo-Sintaxe 
a) A repartição dos géneros: Os nomes das árvores são femininas em Gal-Port e em bretão. 
b) O cal, o labor, o nariz, o sal, o mel, o leite, o sangue, o cume…como em bretão (por exemplo em outras línguas latinas como o espanhol são palavras femininas).
c)  A mesma forma pode ser utilizada pelo adjectivo qualificativo e o advérbio tanto em bretão como em Gal-Port


d) O durativo no infinitivo:



O Galego-Português é a única língua romance que partilha esta característica com as línguas célticas.


e) Perguntas e respostas: Em Gal-Port as respostas não são “sim” ou “não” como, por exemplo em Gaélico escocês:



                  



Alguns textos Galaico-Lusitanos
-Texto de Lamas de Moledo
”Rufinus et Tiro scripserunt: Veaminicori doenti angom lamatigom crougeai magareaigoi petranioi radom porgom ioveat Caeliobrigo”.
Este texto datado já em época romana (no século I d.C.) com introdução em latim viria significar o seguinte segundo a tradução de André Pena Granha, arqueólogo galego:
“Rufino e Tiro escreveram: Os Veaminicori (conjunto de jovens solteiros em idade militar) dão um anho lamático (de Lamas de Moledo, entende-se) para o altar de Petranioi (o oficiante), um grosso porco para o Júpiter do Castro de Caelio”


Segundo Higino Martins (2008:87) Veamini Cori ou Wegamenoi korioi significaria “os que viajam em carros”, quer dizer, “os chefes”, ou “senhores”.
-Texto da Pedra de Cabeço das Fráguas
”…Oilam trebopala indi porcom laebo commaiam iccona loiminna oilam usseam trebarune indi taurom ifadem(…) reve Tre(barune)”
Texto também de finais do Império com latinismos como “Porcom” e redigido na pedra para um ritual de tipo “suovetaurília” com o fim de proteger a Treba (território político sob a influência do povo que oferece o ritual). A sua tradução segundo Pena Granha:

“…uma ovelha para trebopala (protectora da Treba) e um porco para Laebo (divindade feminina), uma égua para a luminosa Iccona (deusa dos cavalos), uma ovelha dum ano para trebarune (a deusa protectora do país) e um touro dum ano para Reva, senhora da Treba.”




Bibliografia:
Armada Pita, X-L. (1999). Unha revisión historiográfica do celtismo galego. In “Os Celtas da Europa Atlántica. Actas do I Congresso galego sobre a cultura celta”. Ferrol. Agosto. 1997. Ed. Concello de Ferrol.
Ballester, Xaverio. (1998-99): “Sobre el origen de las lenguas indoeuropeas prerromanas de la Península Ibérica” In Arse, 32/3. Conferencia pronunciada o 23/03/99 durante as XIV Jornadas de la Sociedad Española de Estudios clásicos (Valencia 22-27-III-1999) com o nome de “La Filología clásica prerromana en España: pasado, presente, futuro”.
Brañas, Rosa. (1995). Indíxenas e Romanos na Galicia céltica. Ed. Libreria Follas Novas.
Carvalho Calero, R. (1983). Da Fala e da Escrita. Ourense. Galiza Editora. Ourense
Carvalho Calero, R. (1974). Gramática elemental del gallego común”. Galaxia. Vigo.
Coseriu, E. (1989): “El gallego en la história y en la actualidad” In “Actas do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza”. AGAL. Crunha. Página 797.
Garcia Fernandez-Albalat, Blanca. (1990). Guerra y Religión en la Gallaecia y la Lusitania antiguas. Sada-Crunha. Edicións do Castro.
Garcia Fernandez-Albalat, Blanca. (1996): ”La religión de los castreños” In SEMATA Ciencias Sociais e Humanidades 7-8. Las religiones en la Historia de Galicia. Ed. Garcia Quintela, Marco V. Universidade de Compostela
Lapesa, Rafael. (1991): “Historia de la lengua española”. Madrid. Ed. Gredos. Biblioteca Románica Hispánica. 9ª Ed. Corrigida e acrescentada.
Lopez Carreira, Anselmo. (2005): “O reino medieval de Galicia”. A Nosa Terra. Vigo
Mundy, John J. (1991):Europe in the High Middle Ages”. Longman. London and New York.
Omnès, Robert. (1999). “Le substract celtique en galicien et en castillan” In “Les Celtes et la peninsule Iberique”. Triade nº5. Université de la Bretagne Occidentale-Brest. Pp. 247-268.
Pena Graña, A. (1985): “O reino de Galiza na Idade Media”. Revista Terra e Tempo 2ª época, 1,
Rico, Sebastián (1973): “Presencia da língua galega”. Ediciós do Castro. A Crunha, 1973, pp 8-9
Rodrigues Lapa, M. (1981) : ”Lições de Literatura Portuguesa. Época medieval”. 10ª Edição. Coimbra Editora Limitada.
Saraiva, António J: (1995). Iniciação na literatura portuguesa. Gradiva. Lisboa. Pag.9
Schmoll, Ulrich (1959): “Die Sprachen der Vorkeltischen Indogermanen Hispaniens und das Keltiberische”. Wiesbaden. Otto Harrassowitz.
Sanchez Albornoz, C. (1956); España, un enigma histórico. Pág 420-423 do Vol 1º da 2ª Edição.
Valladares, M (1970): Elementos de Gramática gallega. Galáxia. Fundación Penzol. Vigo.
VV.AA (1996): Las religiones en la história de Galicia in SEMATA Ciencias Sociais e Humanidades 7-8 Ed. Garcia Quintela, Marco V. Universidade de Compostela
Wright, R. (1991): “La enseñanza de la ortografía en la Galicia de hace mil anos”. Verba, 18.

A Mudança de Paradigma 3ª Parte: Porque isto é assim? Conclusão



Por José Manuel Barbosa

Porque isto é assim?
Para o castelhanismo a funcionalidade deste paradigma é político-ideológico. Com esta forma de contar as cousas, o histórico imperialismo castelhano procura justificar a sua hegemonia na península e para isso não lhe é obstáculo falsificar a história, tanto mais se a Galiza foi quem chefiou originariamente o projecto de unificação peninsular que hoje leva sobre si a própria Castela com o nome de Espanha.


Fomos concorrentes e mesmo -acreditam-, ainda poderíamos sê-lo se nos identificarmos com o mundo português e lusófono já que por aí viria um acréscimo de forças que como mínimo fariam que Castela visse em perigo a sua hegemonia peninsular.

Essa manipulação de factos históricos, essa forma de fazer da Galiza um ninguém é uma maneira de desidentificação com ela própria e com a sua família etno-linguística para debilitá-la e mesmo anulá-la.

Tumba de Rodrigo Ximenes de Rada
Castela hoje é forte na península e nunca por parte dum português deveria haver um ideia iberista, porque com isso joga Castela para continuar o seu labor assimilador. A força de Portugal, o que ainda fica daquele projecto nacional galaico, estaria em debilitar Castela e essa debilidade está na aliança com a Galiza e o galeguismo. Isto, juntamente com estreitar laços de amizade e colaboração com outros povos da península ainda não castelhanizados fariam com que o hegemonismo castelhano não chegasse muito para além
      Conclusão
Se a Galiza se identificar linguisticamente e mesmo historicamente com os povos que conformam a sua família faria com que as forças tornassem a ela. Isto só nos ia trazer benefícios de todo tipo: políticos, económicos, sociais, culturais… por isso devemos saber agir com uma estratégia adequada mesmo sem poder político galeguista na Galiza que poderia tornar às nossas mãos mercê a essa inércia e sinergia. Qual seria essa estratégia?
a-      Ligações com o mundo céltico que reforçassem a ideia de Matriz da mesma e partilhando interesses atlânticos. Isso ligar-nos-ia com as Ilhas Britânicas e não só o mundo céltico, mas também o mundo anglo que a dia de hoje é o mais poderoso do planeta.


b-  Ligações com o mundo lusófono, com a galeguia, da qual também somos Matriz. Também isto achegaria benefícios já que pela nossa língua e os nossos recursos humanos estaríamos muito bem situados em relação a outros povos em vias de desenvolvimento. Para os galegos, a nossa fala deixaria de ser uma fala regional para ser a Matriz duma civilização com o que isso traz de beneficio. A riqueza material, e não só espiritual que a nossa língua ia trazer seria muito grande em relação com a que nos traz hoje e mesmo a que lhe traz a outros povos e outras língua que ainda com grande dignidade não têm o número de utentes que tem o português. O nosso relacionamento não seria o duma região periférica, mas de ônfalon à par de Portugal e Brasil com a força suficiente para evitarmos agressões culturais às que hoje estamos expostos e ainda com o futuro duma lusofonia que joga a ser potência mundial da mão do grande Brasil.


c-      Dentro da Galiza haveria que estruturar a conformação político-partidária de forma inteligente criando formações políticas que atendessem todas as camadas sociais sem excepção. A dia de hoje, só uma formação política de esquerda é que pode agir com certo poder político na Galiza (e para isso limitado). É o BNG (Bloco Nacionalista Galego), mas este não pode concorrer pelo voto com o PP já que os votantes são diferentes sociologicamente. Por outra parte o BNG não poderia governar nunca só e menos com maioria absoluta pelas circunstâncias que actuam na Galiza. O BNG não tem aliados nacionalistas pelo que qualquer oposição seria sempre brutal e maciça. A necessidade duma formação partidária de centro ou centro-direita dividiria o voto da direita, deixando o PP com menos força, menos votos e menos representação não permitindo mais maiorias absolutas desta formação não defensora dos interesses galegos perante os do Estado. A falta de maiorias obrigaria a pactuar para governar e mesmo poderia dar-se o caso no que o nacionalismo com o tempo chegasse a ter maiorias que levassem o projecto nacional galego a uma maior e melhor viabilidade. O nacionalismo poderia andar com os dous pés recorrendo à aliança quando for possível e à discrepância quando for útil. Só assim poderia ser possível evitar dar passos atrás no que diz respeito dos direitos dos galegos, da língua… Poderiam ser mais fáceis os avanços na construçom nacional podendo conseguir novos marcos legais que obrigassem o castelhanismo a recuar e mesmo a construirmos novas entidades políticas que garantissem a soberania social, cultural, linguística, política e mesmo mental da Galiza. Poderíamos colaborar com outras nações da península com o fim de equilibrar forças e reduzir o castelhanismo e torná-lo humilde num contexto que sempre o fez soberbos. Poderíamos evitar racismos e xenofobias anti-galegas como há hoje no Reino da Espanha e ainda dentro da Galiza .

Do nosso ponto de vista o nacionalismo galego deveria ter em conta esses três pontos de tal forma que a discussão de se somos rabo de leão ou cabeça de rato seria absurdo. Pela nossa história, pela nossa língua e pelo futuro que se nos poderia abrir, estaríamos a jogar a ser cabeça de leão.

A Mudança de Paradigma 2ª Parte: Que é o que se ensina na Galiza. O paradigma galeguista

Por José Manuel Barbosa 


Que é o que se ensina na Galiza?

A Galiza é politicamente um apêndice da Espanha, e isto é assim do ponto de vista legal-institucional como até o dia de hoje também é o País Basco ou a Catalunha. A Galiza também é um apêndice da Espanha no seguimento oficial da ideologia, muitas vezes, anti-galega, cousa que não acontece nos dous países antes nomeados que sabem defender os seus interesses políticos e económicos por acima do poder estatal. Assim, a Galiza reproduz o paradigma castelhanista tanto no ensino como maioritariamente na investigação, exceptuando honradíssimos casos como os de Camilo Nogueira, Anselmo López Carreira, João Bernárdez Vilar, José António López Teixeiro, André Pena Granha, Higino Martins Esteves, ou os históricos Ricardo Carvalho Calero e Ernesto Guerra da Cal, e ainda mais alguns que não nomeio por falta de espaço.






Nos estudos oficiais na Galiza ensina-se o seguinte:
·        A Cultura chamada Castreja e os Celtas têm pouco ou nada a ver, de forma que qualquer elemento civilizacional galaico se diz de origem mediterrânico. Na época romana a Gallaecia quase não existe. Tudo é latino do ponto de vista cultural e latim do ponto de vista linguístico. O elemento indígena não achega nada útil à formação da futura Galiza e Roma é quem a inventa. Antes de Roma não há nada. É o vazio.






·        Os suevos são um povo bárbaro, no senso pejorativo da palavra, que não deixa pegada nenhuma e o seu Reino é anedótico. Os suevos são bárbaros e os visigodos estão romanizados, o que significa que são mais civilizados. São estes últimos os que marcam a personalidade de toda a península incluída a Galiza. Não há elementos importantes e interessantes a salientar para a historiografia europeia no Reino Suevo, nunca Reino de Galiza ou Gallaeciense Regnum.






·        Os muçulmanos ocupam também a Galiza (porque ocupam “Hispania tota”) que já nesta altura se identificava territorialmente com a Galiza actual. Astúrias é um Reino que “reconquista” e “repovoa” Galiza (4) para a causa cristã e a importância do País do apóstolo São Tiago descoberto por um Rei asturiano é mínima. Galiza é um ninguém, não tendo qualquer protagonismo nem militar, nem social, nem económico, nem quaisquer outros. Nesta altura é Astúrias a importante que lhe passa a testemunha a Leão e esta finalmente a Castela. Durante toda a Idade Média a Galiza é um objecto passivo nos acontecimentos da parte cristã da península e passa a ser um “Reino” pontualmente duas ou três vezes por acidentes políticos que se reencaminham da mão de Reis com interesses leoneses ou castelhanos (que finalmente vinha a ser o mesmo). Ser Rei de Galiza (a Galiza entendida territorialmente como a de hoje, não como a real daquela altura) é como não ser nada e normalmente nem se nomeia na historiografia geral peninsular porque os Reis da Galiza são Reis muito pontualmente ou são segundões sem transcendência histórica. Tudo em função de Castela (ou Castela-Leão) (5)






·        A independência de Portugal conta-se como um acontecimento que tem “algo” a ver com a Galiza.




·        Algum Rei chamado o Sábio deu-se-lhe curiosamente por escrever em galego porque era esta uma língua muito linda e poética mas esse rei era castelhano e a língua por excelência de toda a historiografia oficial é a de Castela falada pelos personagens realmente importantes como o Cid,  ou o Rei do qual era bom vassalo como Afonso VI, também castelhano mas mal Senhor porque não defendia os interesses castelhanos.




·        Os séculos XIII e XIV são séculos de lutas dinásticas entre Reis e revoluções sociais, mas nada se diz do lugar que ocupa a Galiza em tudo isto, as autênticas motivações, interesses, apoios e projectos da Galiza nestes séculos. Também nada se diz do que Portugal faz a respeito de Galiza.




·        Os Reis chamados Católicos, Isabel e Fernando, foram os que “domaram e castraram” Galiza mas também são os que lhe dão gloria e unidade a Espanha. Há alguns que mesmo defendem na Galiza a conversão da Isabel I Trastâmara de Castela em beata como primeiro passo para a sua ascensão a Santa.




·        Nos chamados Séculos Obscuros (de final do S. XV até a chegada de Napoleão à península) só há história económica (6), a história política está reservada para a Coroa de Castela ou o Reino da Espanha que vinha ser o mesmo. Galiza era um país de camponeses e marinheiros sem qualquer poder político e por algum personagem mais conspícuo do que os outros porque serve à Coroa.




·        Durante os séculos XIX e XX Galiza só achegou escritores e galeguistas que não andavam metidos na política e por isso foram importantes. Todos eles sentiram-se muito espanhóis e o galeguismo é um pensamento mais do que nada cultural embora tivesse uma expressão regionalista que o espanholismo assume com normalidade. Mesmo o galeguismo nacionalista tinha disto último só o nome, porque todos os galeguistas defendiam a ideia de Espanha.


Qual é o paradigma galeguista?
Diz-se habitualmente que a história é contada sempre pelos vencedores. Neste caso, o paradigma galeguista é o que não triunfou e é por isso pelo que para além de não ser oficial, nem se ensina, nem se acredita nele. Mesmo as provas, as evidências, os documentos, os textos e as pessoas que os expõem tenham da sua parte toda a autoridade e a veracidade.
·         Antes de Roma o N.W. peninsular estava habitado por um povo proto-celta matriz dos celtas do mundo Atlântico. Assim é como no-lo demostram os estudos de várias universidades britânicas seguindo estudos genéticos e mesmo a moderna Teoria da Continuidade Paleolítica de Mário Alinei, Francesco Benozzo e ainda o anteriormente o Professor galego André Pena Granha que já expus esta teoria, pelo menos no que diz respeita ao Noroeste peninsular vários anos antes do que fosse exposto pelos professores italianos, mas como na Galiza tudo passa pela peneira castelhanista não houve forma de que transcendesse.




·         A língua dos chamados galaicos e lusitanos era a mesma e ocupava todo o Norte e o Oeste da península até o Tejo aproximadamente. Portanto, o parentesco galaico-lusitano era já anterior a Roma. Roma só dividiu pelo Douro com o fim de dividir para vencer. Prova importante para isto é que nas guerras lusitanas participassem tropas galaicas. Se os galaicos forem outro povo muito distante e alheio aos lusitanos essas guerras não seriam da sua incumbência e portanto não participariam.

·         Durante a ocupação romana, a Gallaecia foi uma das províncias do império mais sucedidas economicamente, culturalmente e do ponto de vista artístico sendo o elemento indígena fulcral. Figuras como Prisciliano, Egéria, Paulo Orósio, e Idácio Lémico foram prova da importância da Nossa Terra. A figura de Prisciliano poderia equiparar-se a outras paralelas dentro do mundo céltico e atlântico como São Patrício, São Davide ou Santo André. Aliás, Prisciliano, pode dar pistas a respeito do fenómeno Jacobeu já que há quem assegura que quem realmente está (ou estava) em Compostela não era São Tiago, mas Prisciliano. As provas não são determinantes, mas a lógica leva por esse caminho.


·         Os suevos, um povo germânico dos mais evoluídos e “romanizados”, constituíram na Gallaecia, a zona mais rica e desejável para eles da península, o primeiro Reino independente de Roma com um projeto militar e político de unificação peninsular com capital em Braga e com o apoio, colaboração e implicação dos galaicos que o sentiam como seu. A importância dos mesmos é grande: Com eles a Gallaecia constituiu-se no primeiro Reino medieval da Europa; foram os primeiros em emitirem moeda, o Sólidus suevo; os primeiros em legislar, administrar e construir um Estado; o primeiro Reino cristão após Roma; os criadores da mal chamada “letra visigótica” já que na realidade começou a existir na Gallaecia antes da chegada dos godos; os criadores da primeira arte pré-românica com elementos como o chamado arco de ferradura que na historiografia castelhanista diz-se visigodo; os primeiros em assumirem o cristianismo católico antes do que qualquer outro povo germânico, por isso a sua aceitação pelos galaicos. Na historiografia castelhanista diz-se que foram os visigodos os primeiros em aceitarem o catolicismo…


·         Durante a unificação suevo-visigótica a Galiza manteve a sua personalidade política e administrativa, cultural, social e económica, contrariamente à ideia castelhanista dum Reino unificado visigótico com capitalidade centralista em Toledo e primeira amostra de Estado Espanhol pan-peninsular. Os Reis tinham o título de “Reis de Espanha, Galiza e a Gália” entendendo que a Galiza e a Espanha eram realidades diferentes. A Gália num princípio ocupava a actual Ocitânia para posteriormente ficar só na Septimánia ou Narbonense.


·         A entrada dos muçulmanos na península deve-se à chamada dos vitizanos galegos. O domínio muçulmano da Espanha excluía por definição a Galiza fazendo desnecessária qualquer intervenção militar por parte destes por contarem com o apoio dos seus aliados vitizanos que eram quem tinham o poder na Galiza. Posteriormente a Galiza manteve um vazio de poder no conjunto do País mas governado por régulos de entre os que haveria que salientar os das Primórias, nome que se lhe dava naquela altura às comarcas do actual oriente asturiano e que levaram a iniciativa na posterior unificação de toda a Galiza. Da territorialidade da Galiza suevo-visigótica, só a região conimbriguense fez parte da Spânia (ou Al-Ândalus) para posteriormente ser recuperada e volta a perder por várias vezes por e para a Galiza.


·         O nome do “Reino de Astúrias” ou “Reino de Leão” não é o que está recolhido nos documentos andalusis, carolíngios, papais, germânicos, anglo-saxónicos, bizantinos e escandinavos. O nome que figura neles é o de “Reino de Galiza” ou mais justamente em latim “Gallaeciense Regnum” (às vezes “Christianorum Regnum”). Dentro dos textos peninsulares, só uns poucos safaram da manipulação posterior do século XIII e posteriores. Os outros, redigidos muito posteriormente aos eventos que narram (7) não são fiáveis.

·         Os conceitos de “Reconquista” e “Repovoação” não são interpretados igualmente pela historiografia galega e a castelhana. Para a castelhana é a recuperação do território nacional perdido por conquista e invasão muçulmana, mas para a historiografia galega nunca existiu um programa consciente durante a Idade Média de ocupação da Espanha muçulmana, nem um processo cronológico continuado de conquista. Desde a reunificação da Galiza após a entrada muçulmana até o século XI não houve variações importantes de limites territoriais. Contrariamente houve variações desde a anexação de Toledo, momento desde o que começa realmente o avanço cristão desde o Norte. Por outra parte “Repovoar” é interpretado para o castelhanismo como “tornar a povoar o que antes estava vazio ou povoado com outras pessoas alheias dum ponto de visto étnico e que houve de expulsar para manter a uniformidade nacional”. No entanto, segundo a versão galega a palavra “Repovoar” vem do latim originário REPOPULARE que vem sendo tornar a organizar um território, não do ponto de vista demográfico mas do administrativo e do político.


·         Segundo o paradigma galego, o Reino de Galiza foi o protagonista da maior parte da Idade Média e o projecto de unificação peninsular. Castela surgiu quando esse projecto já estava encaminhado fazendo-se com ele e manipulando a historiografia. Para Castela, a Galiza simplesmente não existe, nem antes nem depois. Durante o Século XIII em adiante se vai levar a cabo por meio de determinadas pessoas com nomes e apelidos a eliminação do nome da Galiza dos documentos e o processo histórico leva a eventos que consolidam Castela como a construtora da actual Espanha (8). A separação de Portugal, a castelhanização de Leão e a união de Castela com Aragão fecham o processo.

·         Os chamados “Séculos Obscuros” enquadrados dentro da Idade Moderna para o nosso paradigma não são tão obscuros. Na Galiza houve vida política embora dependente e com vontade de recuperação em alguns casos. O maior e mais importante episódio desta época é o seu final, quer dizer, a guerra contra os franceses no que a Galiza de facto agiu com total independência, com o seu governo, o seu exército, a sua política fiscal e diplomática e de facto quem conseguiu com ajuda do exército aliado britânico a expulsão dos franceses da Espanha e a derrota de Napoleão. O nosso País foi o primeiro da Europa em ficar livre de franceses. Infelizmente a ideia de fidelidade a um Rei fez com que essa independência de facto fosse cedida a uma monarquia quem poucos anos depois (em 1833) eliminaria o “Reino da Galiza” da cartografia, da legalidade, da diplomática e da nomenclatura para criar quatro províncias sem mais conexão entre elas do que pudesse haver com outras do novo “Reino da Espanha”.


No que diz respeito da língua, o paradigma galeguista sempre defendeu a unidade linguística galego-portuguesa e a necessidade da unificação e confluência entre as falas galegas e as portuguesas. Há hoje um galeguismo que isso não aceita, mas é o “galeguismo” oficial e dependente chefiado pela mesma ideia que gere o paradigma castelhanista. A origem da nossa língua está naquele “Gallaeciense Regnum” medieval que se quer negar desde Castela e ainda naquele “Galaico” ou “Proto-Galaico” do século X do que nos falam Carvalho Calero ou Rodrigues Lapa está mesmo a origem do castelhano que não é mais do que uma variante oriental extrema do Asturo-leonês ou galaico-oriental em contacto com o substrato basconço. O galego-português é a variante que os nossos vultos denominam como galaico-ocidental. O famoso “Mio Cid” não está redigido originalmente em castelhano medieval porque este não existia, mas em navarro-aragonês como nos dizem mesmo prestigiosos autores espanhóis como Rafael Lapesa ou Alonso Zamora Vicente. As chamadas “glosas emilianenses” e “glosas silenses” origem do castelhano segundo nos contam na escola, no liceu e na universidade não estão em castelhano, mas em navarro-aragonês. O castelhano é uma língua que se elabora a partir das falas de contacto entre o galaico-oriental (ou astur-leonês), o basco e o navarro-aragonês que era uma fala emparentada com o gascão e o catalão. No tema da língua o supremacismo castelhano e castelhanista agiu do mesmo jeito: destruindo documentação, manipulando informação e reduzindo o protagonismo da Galiza e do galego(-português).







Referências:
  (4) Portanto os galegos de hoje não seriam mais do que descendentes de asturianos medievais.
 (5) No filme “El Cid” protagonizado por Charlton Heston o Fernando I e posteriormente Afonso VI são Reis de “Castela, Leão e Astúrias”. A palavra Galiza não aparece por nenhures e Leão e Astúrias que faziam parte do mesmo território político na altura são consideradas como dous Reinos diferentes. Nesse mesmo filme aparecem dous dos três filhos varões do Rei Fernando: Sancho e Afonso. O terceiro filho, Garcia, que levou em herança as actuais Galiza com Portugal mais as taifas de Badalhouce e Sevilha não apareceu em todo o filme nem se nomeou.
(6) De penúrias, fomes, e falências o qual leva aos galegos à incultura e à ignorância muito salientada pelos clássicos castelhanos desses séculos chamados de “Séculos de Ouro” em contraposição aos “Séculos Obscuros” galegos.
  
(7)  Segundo Anselmo López Carreira, autor do livro “O Reino Medieval de Galicia” editado por “A Nosa Terra” em 2005 diz-nos nas páginas 131-133 que autores como Barrau-Dihigo consideram fiáveis muito poucos documentos da época chamada asturiana (711-910). De 68 diplomas, só 19 são autênticos “ou le paraissent”, dos quais só 5 são originais, os outros 14 parecendo fiáveis chegaram até os nossos dias em cópias antigas ou modernas, portanto susceptíveis de serem alterados. O professor Floriano, sendo considerado menos crítico considera 5 documentos autênticos de 15 estudados desde 711 ate o ano 799; de 800 até 866 recolheu 69 dos quais só lhe pareceriam autênticos 44, de 867 até 910 estudou 120 dos quais só 92 seriam autênticos. Posteriormente o Professor Floriano num segundo estudo chega a considerar que só 7 originais nos chegam do período astur depois de afirmar que “no llegan a medio centenar los conservados”. Diz-nos também o Professor Carreira que dos investigados por ele e dos 313 documentos apanhados da Catedral de Compostela, só 12 se transmitiram independentemente dalgum cartulário e menos do 2% são originais. As crónicas não saem melhor qualificadas. O seu aproveitamento só é aceitável após uma grande poda. Inclusivamente as bases historiográficas nas que se baseia o castelhanismo como são as “Crónicas Asturianas” e  chamada “Crónica de Afonso III” questionam o denominado “Reino Astur” e o seu valor fica relativizado pela intencionalidade política com a que foram redigidas. O seu fim era legitimar a autoridade monárquica exercida desde Ovedo. Mesmo o episódio de Covadonga só se pode interpretar em chave mítica.
(8) O Bispo Pelayo de Ovedo, Rodrigo Ximénez de Rada e Lucas de Tui foram os que levaram a cabo durante o século XIII o movimento de eliminação da palavra “Galiza” dos documentos, refazendo-os, manipulando-os, destruindo-os, etc… A razão era o privilegiar Toledo como cidade principal tanto do ponto de vista religioso como político em detrimento de Compostela e ainda fortalecer o poder castelhano na península e debilitar o projecto nacional pan-peninsular galaico